Lembranças
Casas Noturnas dos anos 80
(Inglaterra) - Parte I - Londres

Ah se eu tivesse um DeLorean... com certeza voltaria a década de 80 em Londres, no começo da década, para dançar nas Bowie Nights no Billys, totalmente New Romantic, ou curtir uma noite bem dark no Batcave. Mais para o meio da década, partiria para Manchester, e veria em 1986 surgir a maior danceteria da história da House Music, o Haçienda.

Que fã dos anos 80 não sonharia com isso?

Bem, a primeira coisa que tenho a dizer é que tudo o que for escrito aqui é apenas a ponta do Iceberg e mais para frente deixarei sugestões de alguns títulos interessantes sobre a história das baladas dos anos 80 nos anos 80 na Inglaterra.

Nessa primeira etapa da nossa viagem musical às melhores e mais importantes casas noturnas inglesas dos anos 80, falaremos dos New Romantics, filhos de Bowie e Kraftwerk.

Londres, início da década de 80, já o Blitz abre suas portas. Na recepção, o belo e único Steve Strange, comandando o som, Rusty Egan.Memorabilia do SoftCell é uma das mais pedidas da noite. Boy George, figura sempre presente, é o responsável pela chapelaria. O que se chama de Dress Code é na verdade um “Atitude Code”, pois não é admitido copiar ninguém, nem mesmo Strange...

Como eu adoraria estar nessa cena.

A história do Blitz começa, na verdade, com uma festa semanal chamada Bowie’s Nights, onde as Bowie's kids se reuniam. Essa festa rolava na danceteria Billy’s, que depois se tornou o Gossip, no bairro de Soho no West End londrino. O prédio é uma mansão georgiana que já hospedara a amante do Rei Carlos II e posteriormente uma galeria de artes onde eram expostas várias obras importantes do século XX, como o “The Red Studio” e “Studio Quai Saint Michel” de Henry Matisse.

Uma das heranças desse período foi uma escada totalmente design que ligava a pista ao bar da cobertura. Mas por que falar de arte? Por que os New Romantics eram jovens que se vestiam de forma única e amavam todas as artes em todas as suas vertentes.

Voltando às Bowie Nights, o promoter da festa era Steve Strange e o Dj era Rusty Egan. Após um curto, mas significativo período no Billy’s, eles colocaram na história o Blitz Club, berço do New Romantic, movimento cultural e artístico que dominou o mundo na chamada segunda invasão britânica (a primeira aconteceu com os Beatles nos anos 60).

“The song that became the anthem of the club was Heroes by Bowie. "Just for one day" you could dress up and be more than what Britain had to offer you” “A músicaque se tornou um hinopara o (Blitz) Club efoi Heroes, do Bowie. “Apenas por um dia”você podia se produzir e ser mais do que o que a Inglaterra deixava ser” Rusty Egan.

O Blitz ficava no Covent Garden, também no West End de Londres, em um prédio vitoriano em que desde a década anterior existia um Wine Bar ambientado na década de 40, com muitos elementos referentes à Segunda Guerra Mundial. Esse bar era inclusive frequentado por Steve Strange e RustyEgan (Visage) antes deles começarem sua noite New Romantic todas as terças.

A balada futurista era frequentada por ícones dos anos 80 como Boy George (ainda George O’Dowd), Sade Adu, Midge Ure, do Ultravox,pelos integrantes do Spandau Ballet, a Dj Princess Julia (a garota de Fade to Gray), Siouxsie Siox, Marc Almond, Derek Jarman, cineasta britânico, responsável pelos clipes deIt’s a Sin e Rent, do Pet Shop Boys e Panic e Ask dos Smiths, artistas como Brian Clarke, adorado por Bowie, e os estilistas Zandra Rhodes, uma das estilistas da princesa Diana, e AntonyPrice, um dos responsáveis pelo casamento da música com a moda, desenhou diversos figurinos para o Duran Duran (Rio), David Bowie, Steve Strange, Brian Ferry, Jerryl Hall, e por aí vai.

BLITZ 20

1. Telex – Moskow Diskow (Disques Vogue)
2. Gina X – No GDM (EMI)
3. Yellow Magic Orchestra – La Femme Chinoise (Alfa)
4. Spandau Ballet – To Cut A Long Story Short (Chrysalis)
5. Human League – Gordon’s Gin (Virgin)
6. Ultravox – Dislocation (Chrysalis)
7. David Bowie – Boys Keep Swinging (EMI)
8. Visage – Fade To Grey (Polydor)
9. Devo – I Can’t Get no Satisfaction (Warner Bros)
10. Kraftwerk – Neon Lights (EMI)
11. OMD – Electricity (Factory)
12. Japan – Life In Tokyo (Hansa)
13. Cabaret Voltaire – Nag NagNag (Rough Trade)
14. Grace Jones – Warm Leatherette (Island)
15. Roxy Music – Trash (Island)
16. Simple Minds – I Travel (Arista)
17. Neu! – E-Music (Brain)
18. Throbbing Gristle – Hot On The Heels Of Love (Industrial)
19. M – Pop Musik (MCA)
20. Joy Division – Atmosphere (Factory)
Selected by Rusty Egan

A música, tudo que nós mais amamos:synthpop europeu, muito Kraftwerk, Gina X, e claro, David Bowie e Roxy Music. Também estavam presentes do set list de Rusty Egan OMD, Japan, Human League, Yellow Magic Orchestra, Soft Cell, Human League, Cabaret Voltaire, Ultravox, etc. Lá que bandas como Adam and The Ants, Bow Wow Wow, Classix Nouveaux, DeadorAlive, Sigue Sigue Sputnik, Spandau Ballet e Visage encontraram sua inspiração.

Toda essa história, essa efervescência cultural, virou um musical em 2002, primeiramente apresentado em Londres, depois na Broadway.Taboo, nome de uma das danceterias new romantics dos anos 80, cujo promoter era Leigh Bowery, artista performático, que hoje chamaríamos de uma dragqueen futurista, era uma das casas citadas no espetáculo, além do Blitz Club.
O texto é de Mark Davies Markham , produtor Charles Busch e as músicas compostas por George O’Dowd, o próprio Boy George, que também é a personagem principal da peça que passeia pela sua vida e sua carreira. Ele chegou a interpretar uma personagem, Leigh Bowery. Sim, o Boy George merece uma peça da Broadway como sua biografia, totalmente chique!


Tem uma cena na peça de teatro em que Steve Strange barra Mick Jagger na porta do Blitz com um: “Sai pra lá, dinossauro!!!”. Na verdade, Strange em uma entrevista diz que foi mais pela casa estar lotada e pelo Mick Jagger estar embriagado, não sabemos se é verdade, mas esse era efetivamente um dos princípios do New Romantic, traçar seu próprio caminho, distante das casas noturnas que abrigavam os diversos shows de rock. Não permitir que um mito como Jagger entrasse na casa, pelo “attitudecode”, é algo bem ousado para um bando de meninos de 19, 20 anos, e muito firmes em sua determinação, pois se era o estrelato que buscavam, nada melhor do que ter um astro como Jagger na casa. Mas tudo era uma questão de atitude. O Spandau Ballet, por exemplo, se negou a tocar nas casas em que o predominante era o rock, seja o glam rock ou o punk. Eles eram mais. Queriam mais. E fizeram história!

Se Jagger foi barrado, Madonna, Michael Jackson e Bowie chegaram a visitar o Blitz Club. Bowie, inclusive, recrutou Steve Strange e mais dois frequentadores da festa para participar da gravação do clipe de AshestoAshes. Imagino como Steve Strange se sentiu estando no clipe do seu “muso inspirador”.

Mais um monte de casas noturnas abrigaram as Bowie’s kids: Area,Camden Palace, Circus, Club 57, Mud Club, Peoples Palace, Roxy, Scala Cinema (onde rolou um dos primeiros shows do Spandau Ballet), St Moritz, The Playground, Studio 21, Taboo, The Wall, White Trash, entre outras.

Voltando ao Billy, onde as Bowie’s Night começaram, vamos falar agora das duas casas noturnas que também foram marcantes nos anos 80: o Gossip’s, no térreo, e o Gargoile no andar superior. No Gossip’s, além da festa New Romantic, acontecia uma noite de Reggae e outra de funk, jazz e rock’n’roll raiz. No Gargoile, rolava uma festa gay, outra destrip/stand up e, a mais importante e lotada depois da Bowi’s Night: a Batcave. E lá vamos nós para outra cultura pós-punk inglesa que se espalhou pelo mundo, o Gótico.

“… come walk with me between heaven and hell. Here there is a club lost in its own feverish limbo, where sin becomes salvation and only the dark angels tread. For here is a BATCAVE.” “ … venha caminhar comigo entre o céu e o inferno. Este é um clube perdido em seu próprio limbo enfervesvente, onde o pecado se transforma em salvação e somente os anjos negros caminham. Pois aqui é a BATCAVE.” Capa do vinil “Young Limbsand Numb Hymns”

Regada a muito The Cure, Cabaret Voltaire, Joy Division, The The, Bauhaus e Bowie, claro, as noites do Batcave tinham praticamente as mesmas figuras do Blitz, totalmente produzidas, roupas extravagantes, cabelos espetados, piercings, mastudo preto. Diferentemente dos New Romantic, futuristas, exibicionistas e heróis por uma noite, os góticos tinham uma angústia e sustentavam o sentimento de “No Future” herdado dos Punks, o que transformava as festas em espaços para dançar com as paredes _ sério, essa dança individual e sofrida, como se você estivesse no purgatório, levantando sua mão para a salvação (ou para trocar uma lâmpada), surgiu lá.


Batcave: Young Limbs And Numb Hymns
London Records
Released:1983
New Wave, Goth Rock, Punk, Avantgarde

Tracklist

A1 – The SpecimenDead Man's Autochop
A2 –Sexbeat Sexbeat
A3 –Test Dept. Shockwork
A4 –Patti Palladin The Nuns New Clothes
A5 – James T. PurseyEyes Shine Killidiscope
B1 – Meat Of Youth Meat Of Youth
B2 –Brilliant Coming Up For The Downstroke
B3 – Alien Sex Fiend R.I.P.
B4 – The Venomettes The Dance Of Death

Quem gerenciava a festa era Ollie Wisdom, da banda residente Specimen. No bar quem comandava era Nik Fiend, fundador do Alien Sex Fiend. Frequentavam a casa Siouxsie e Steve Severin do Siouxsie and the Banshees, Nick Cave, Marc Almond, alguns integrantes do Bauhaus, Robert Smith, entre outros.

O Dj residente era DJ Hamish Mac Donald e a banda residente o Specimen. O Alien Sex Fiend e Nick Fiend tornaram-se banda residente e gerente, respectivamente, quando a banda Specimen saiu em turnê. Annie Hogan, integrante da banda MarcAlmondandtheMambas, e parceira musical de Mark Almond durante toda sua carreira, foi DJ do Batcave também por um período.

Fase maravilhosa da vida noturna inglesa! Como falei antes, daria tudo para poder voltar no tempo e viver intensamente essa fase, lá na Inglaterra e nos anos 80. Como não dá para fazer isso, a gente viaja musicalmente para os anos 80 no próximo sábado, na próxima Autobahn!

Me despeço ao som de What, do SoftCell.
Próxima parada: Birmingham e Liverpool!

 

Cris Maggio