Notorious
Soft Cell - Non Stop Erotic Cabaret

 


Contra capa da versão vinil

Capa do single de "Tainted Love"

Lançado em 1981, "Non-Stop Erotic Cabaret" alcançou o 5º lugar das paradas de sucesso do Reino Unido e 22º lugar nos Estados Unidos.

Enquanto bandas como The Clash ou The Specials falavam sobre política e tensão social, Soft Cell vagava pelas ruas do subúrbio descrevendo a sua brutal realidade diária. Se olhar atentamente a contracapa do álbum, vai perceber que estamos falando de Soho; uma área localizada na Cidade de Westminster, em Londres, Inglaterra.

Este distrito possui alguns estabelecimentos ainda ligados à chamada indústria do sexo, tais como: clubes de strippers, cinemas de sexo e becos que feriam a decência e os bons princípios daquela era. Se este local pudesse ter uma trilha sonora, Non-Stop Erotic Cabaret seria a de Soho.

Almond desafiou a era ultraconservadora dos valores familiares ao estampar a hipocrisia da desigualdade moral e social nos versos de suas músicas. O vocalista foi visto como um supremo invasor dessas casas quando seus posters passaram a enfeitar as paredes dos quartos de garotos adolescentes. Usar couro e rímel era desafiar demais os costumes da época.


Capa do single de "Bedsiiter"

Envolto às luzes de neon, Marc Almond esconde um saco marrom de papel dentro de sua jaqueta de couro. Este cenário em si diz mais sobre a coragem britânica de assumir tais atitudes, em relação à sexualidade do que mil palavras jamais ditas ou permitidas.
Temos a impressão de que, ao passo que colocamos o disco para tocar, de dentro do saco marrom que Almond tenta esconder, cada detalhe vai se revelando da forma mais crua e marcante. Vamos então rasgar este pacote e ver o que ele nos reserva?

 
FICHA

"Soft Cell - Non Stop Erotic Cabaret "
Data de Lançamento:
Dezembro de 1982
10 faixas, 41 minutos, aprox.

Faixa a Faixa:
01 Frustration - 4:11
02 Tainted Love - 2:33
03 Seedy Films - 5:04
04 Youth - 3:14
05 Sex Dwarf - 5:16
06 Entertain Me - 3:34
07 Chips on My Shoulder - 4:06
08 Bedsitter - 3:35
09 Secret Life - 3:36
10 Say Hello, Wave Goodbye - 5:23

Gravadora: Sire Records
Banda :
Marc Almond: vocal
David Ball: electronic and acoustic instruments
Backing Vocals By: Vicious Pink Phenomena
Dave Tofani: sax, flauta

 

De fato, ouvir "Non-Stop Erotic Cabaret" é como ler o mais íntimo de um diário pessoal. Está na cara que a banda pouco se importava se as pessoas ficariam chocadas ou revoltadas quando suas letras imploravam por fuga, libertação e por novas experiências. É um álbum obscuro, mas também divertido; às vezes raivoso, mas nunca tão sério; eleito para animar festas com seus ritmos dançantes, mas em outros momentos preferimos ouvi-lo no escuro tendo como companhia apenas uma taça de vinho tinto.

Ao mesmo tempo em que o cenário deste álbum, ilustrado com gays, drogas, danças e prostituição, celebrava a decadência desta parte da sociedade, Almond se fartava desta rotina. Tudo tinha se tornado tão banal e normal, que ele implorava por diversão e por um novo começo.


Capa do single de "Say Hello Wave Goodbye"

"Bedsitter", por exemplo, é a ressaca depois de uma festa, o tédio depois de uma noite péssima, o olho roxo que você não se lembra de ter conseguido, é um choro de desespero, dor e solidão. A carência de amigos:

"... waiting for a visitor / Though no one knows I'm here for sure…" - "… estou esperando por uma visita / Embora, com certeza, ninguém saiba que eu estou aqui..."; comer como consolo e achar que seja possível preencher o vazio da alma desta forma: "...I think it's time to cook a meal / To fill the emptiness I feel..." – "Eu acho que é hora de preparar uma comida / Para preencher o vazio que eu sinto"; a dolorosa confissão de que a noite de sábado é, mais uma vez; um mar sem razão de nada: "... And start the night life over again / Kid myself I'm having fun…" – "… Mais uma vez, a vida noturna começa / Engano a mim mesmo que estou me divertindo..."; é de toda essa existência solitária, que Almond está de saco cheio.

"Sex Dwarf" é o tipo de música que qualquer pessoa entediada de sua rotina monótona poderia cantar alegremente. É um convite a participar de uma vida diferente, tentando despertar a vontade de se divertir ou tentar algo novo: "Isn't it nice sugar and spice / Luring disco dollies to a life of vice..." – "...Não é encantador? Todas as coisas boas / Atraindo bonecas da discoteca para uma vida de vícios...".


Capa da versão ''12 de "Sex Dwarf"

Em "Secret Life", ele canta sobre ameaças, chantagem e exposição; explica o que as pessoas são capazes de fazer para manter suas vidas preservadas dos olhos dos fofoqueiros da vizinhança. No videoclipe, enquanto Marc Almond canta, cenas aparecem e desaparecem tão rapidamente como um flash, que quando colocado em câmera lenta, conseguimos visualizá-las:

É como se alguém tivesse conseguido desmascarar a vida secreta de uma outra pessoa e estivesse prestes a revelar de uma forma anônima e preconceituosa.

“I don't want to play
Cat and Mouse
Have the neighbours looking over At my house
All the secret smiles
When I walk in the room
And I think I'm going to
Crack up soon
I'm going to run away
Find a place in the dark
Where I don't have to hear
The nasty nasty talk

Change my sex
Change my hair
Be hard to find anywhere”

“Eu não quero brincar
De gato e rato
Ter a vizinhança bisbilhotando a minha casa
Todos os sorrisos secretos
Quando eu ando pelo quarto
E eu acho que eu vou
Surtar em breve
Eu vou fugir
Encontrar um lugar no escuro
Onde eu não tenha que ouvir
Conversas tão sórdidas e desagradáveis
Mudo meu sexo
Mudo meu cabelo
Para que seja difícil de encontrar em qualquer lugar”


Frente do vinil de "Memorabilia"

Quem foi que disse que música eletrônica não tem paixão, sentimento ou alma? "Say Hello, Wave Goodbye" é profunda, dramática, ousada e exuberante. É a história de um amor condenado ao fracasso: "... You and I / It had to be / The standing joke of the year... Take a look at my face / For the last time…" – "…. Você e eu / Tinha que ser a piada do ano… Olhe para o meu rosto / Pela última vez…"

"Frustration" grita o tédio das pessoas comuns que cercam Almond; provavelmente vizinhos e familiares que vivem lamentando suas rotinas monótonas. Marc zomba da nuvem cinza sob a qual elas vivem:

“I was born
One day I’ll die
There was something in between
I, I don’t know what
Or why
I’m a man
I want to break a rule
I am a no, no, no, no, no, no, nobody
Everybody’s fool
I’m so ordinary”

“Eu nasci
Um dia morrerei
Havia algo entre essas duas coisas
Eu, eu não sei o que
Ou por que
Eu sou um homem
Eu quero quebrar uma regra
Eu sou um ninguém, ninguém, ninguém
Todos são idiotas
E eu sou tão comum”

Em contrapartida, "Seedy Films" é uma viagem através da magnífica "sleazy city – cidade suja". Acompanhado por algumas risadinhas e vozes femininas ofegantes como som de fundo, Marc Almond está em seu principal e favorito estilo de cantar.

Enquanto a sonoridade de algumas de suas músicas parecem soar meio trash para alguns, suas letras são hinos vulgares sobre hipocrisia, descrita, por exemplo, em "Chips on my shoulder". Estas melodias são tão fortes que permanecerão vivas para sempre, tanto quanto a clássica "Tainted Love", que muitas vezes é a única clamada quando falamos em Soft Cell. Não podemos negar que é uma brilhante versão cover e que festa alguma podia estar completa sem que esta fosse tocada. Por outro lado, foi a corrente ao redor do pescoço da banda.

Soft Cell soa como uma mini revolução, destinada a falar sobre coisas que ninguém jamais ousaria fazê-la. Musicalmente, eles soam inovadores, ousados, emocionantes e ameaçadores para a época.

Marc Almond carrega consigo as lágrimas, o drama, o rímel, a atitude, o ego e o sofrimento. Agora, será difícil escutar este álbum novamente, sem sentir a tristeza e a melancolia marcadas tanto nas notas musicais, quanto em suas letras provocativas e engenhosamente irônicas.

 

Fernanda Ascenso