Notorious
Titãs - Cabeça Dinossauro

 


Versão Vinil

Um dos discos de rock brasileiro que marcou demais a minha geração dos adolescentes dos anos 80 é o CABEÇA DINOSSAURO, lançado em 1986 e com a formação original dos Titãs: Charles Gavin na bateria e percussão, Nando Reis no baixo e voz, Marcelo Fromer e Toni Bellotto nas guitarras, Sérgio Britto nos teclados e voz, e nos vocais Arnaldo Antunes, Branco Mello e Paulo Miklos.


Versão CD

"Com esse álbum, os Titãs encontraram uma maneira objetiva." "Esse é o nosso disco mais importante. Ele mostrou o que eram os Titãs." "Foi o nosso primeiro disco em que conseguimos realizar o nosso anseio sonoro, tecnicamente." "Os Titãs passaram a ter uma assinatura." "Devo confessar que quando falamos em fazer um arranjo ou uma canção a La Titãs, é sempre no "Cabeça Dinossauro" que pensamos. Foi lá que inventamos o nosso vocabulário." As frases, que foram ditas, respectivamente, por Paulo Miklos, Tony Belloto, Arnaldo Antunes, Charles Gavin e Sérgio Britto, definem bem a importância de "Cabeça Dinossauro", considerado até hoje, um dos mais importantes da história do Rock Brasil.

Formada no início dos anos 1980, a banda de rock paulista Titãs colecionou sucessos em toda a sua carreira. Inicialmente como Titãs do Iê-Iê, estrearam em 1981 com shows no colégio onde estudavam e em pequenos festivais.

Chamavam a atenção pela indumentária e pela criatividade musical, quer tanto pela sonoridade, quer pelas letras apresentadas, sempre bem elaboradas. Com essa mistura logo despertaram o interesse das gravadoras e já em 1984, e com o nome reduzido, lançaram seu álbum de estréia e nome homônimo, Titãs. "Sonífera Ilha" caiu no gosto popular e foi, além do primeiro sucesso da banda, o fenômeno radiofônico daquele ano.

Dali por diante foram hits e hits emplacados nas rádios, o que tornou os Titãs uma das maiores bandas de rock do país. Algumas alterações em sua formação, vários momentos de glória como nos Hollywood Rock em que se apresentou, a impagável apresentação junto à banda mineira Sepultura, tocando juntos o sucesso "Polícia", um dos mais perfeitos acústicos MTV já realizados, fizeram dos Titãs uma banda adorada por mais que uma geração de fãs.


Foto da época
 
FICHA

"Titãs - Cabeça de Dinossauro "
Data de Lançamento:
1986
Número de Faixas: 13
Tempo Aproximado: 39 min

Faixa-a-Faixa:

01. Cabeça Dinossauro 2:19
02. AA UU 3:01
03. Igreja 2:47
04. Polícia 2:07
05. Estado Violência 3:07
06. A Face Do Destruidor 0:34
07. Porrada 2:49
08. Tô Cansado 2:16
09. Bichos Escrotos 3:14
10. Família 3:32
11. Homem Primata 3:27
12. Dívidas 3:06
13. O Quê 5:38


Produção: Liminha , Pena Schmidt , Victor Farias

Gravadora(Brasil): Warner Music

Com alguns contratempos como a prisão temporária de integrantes da banda (Arnaldo Antunes), a morte do guitarrista Marcelo Fromer e a saída de alguns integrantes (Arnaldo e Nando Reis), foi o suficiente para uma queda na qualidade da música, tornando-os muito comerciais, macaqueando na selva de concreto da mídia, concreto aliás, lembrado a bom tempo, uma vez que as letras da banda sempre tiveram sua pitada de concretismo, de poesia concreta.

Eles não sabem fazer música... mas eles fazem. Eles não sabem cantar as músicas que fazem... mas eles cantam.

No mesmo ano em que os Paralamas do Sucesso alcançavam estrondoso sucesso com "Selvagem?", a Legião Urbana com "Dois", e o RPM com "Rádio Pirata Ao Vivo", os Titãs estavam em situação oposta. Depois de lançar os irregulares "Titãs" (1984) e "Televisão" (1985), a banda paulista estava entrando em estúdio para gravar o último disco de seu contrato com a gravadora WEA. O então octeto sentia que era necessário fazer alguma coisa. Caso contrário, estariam sem gravadora no ano seguinte e com grandes chances de desaparecerem.

Dessa forma, os integrantes dos Titãs amaciaram os seus egos e contrataram o produtor Liminha, responsável pelos principais álbuns da década de 80, e que havia sido criticado através da imprensa por alguns integrantes da banda paulista. E Liminha mostrou como um grande produtor pode mudar a sonoridade e ressuscitar um artista, sem que ele perca o seu estilo próprio. Dessa forma, a estética new wave predominante nos dois discos anteriores foi substituído por um rock mais direto. E o público entendeu o recado, comprando centenas de milhares de cópias de "Cabeça Dinossauro" e colocando quase todas as faixas do álbum para tocar nas rádios. Nos dias de hoje, nem pagando um jabá enorme nas rádios é possível fazer tantos hits de um só álbum.

Apesar da mudança, repita-se, os Titãs não mudaram a sua essência. E a sonoridade de "Cabeça Dinossauro" acabou formatando o estilo dos Titãs em seus trabalhos posteriores, conforme pode ser visto até hoje nos discos mais recentes do grupo. Em entrevista para a Folha de São Paulo, em 2006, Sérgio Britto reconheceu o trabalho do produtor. "O Liminha foi o responsável pela realização do nosso maior sonho: gravar com qualidade, liberdade e em altíssimo astral", disse.

Vamos a um breve comentário das faixas:

Cabeça Dinossauro: "A percussão na faixa 'Cabeça Dinossauro' foi o Liminha que tocou. Depois de várias tentativas mais elaboradas, ele começou a improvisar, tocando nas paredes, no chão e nas colunas do estúdio, numa espécie de transe", disse Britto. A percussão inicial da faixa Cabeça Dinossauro, adaptada de um ritual dos índios do Xingu, anuncia o começo do fim. Letra concretista vociferada por Mello e que nos faz imaginar o que ainda há por vir.

AAUU: Sucesso de rádio e nos shows. Rotina e esquizofrênia em ritmo frenético. Os neurônios saem do transe e começam a se mover.

Igreja: Peso e raiva contra a Igreja enquanto Instituição, letra punk, anarquista, atéia e anticlerical total.

Polícia: Quando Polícia começa é como uma blitz mental. O som, a letra e o refrão chegam dando de cassetete nos tímpanos. A essas alturas os neurônios já estão rebelados e não conseguem mais ficar parados. A regravação do Sepultura em 1993 é mais porrada ainda.

Estado Violência: Traz primeiro a cozinha da banda: bateria e baixo dão as caras primeiro. E quando se pensa em pôr ordem na mente, um grito precede o refrão, e é como uma chibatada na espinha dorsal. Não tem mais volta, os neurônios estão em choque.

A Face do Destruidor: Um silêncio, dois segundos e A Face do Destruidor traz um hardcore de 38 segundos. O suficiente para fazer qualquer um se enxergar na capa do disco.

Porrada: Chega para deixar claro que todos os certinhos merecem alguma coisa, nem que seja porrada. E tome mais porrada nos neurônios.

Tô Cansado: É nesse momento do disco que a mente pede um copo de água. Talvez por isso Tô Cansado tenha sido colocada no final do Lado A do disco. Mas que cansado que nada, os neurônios que se explodam. É hora de virar o disco e ver do que essa banda ainda é capaz.

Bichos Escrotos: O riff inicial de Bichos Escrotos afirma que os neurônios não terão paz novamente. Bichos tocou muito nas rádios, apesar de ser uma canção com radiofusão e execução pública proibidas pelo palavrão tornado normal hoje. É uma canção atualíssima ainda. Ou alguém ai nunca teve vontade de cantar: "cabelinho lambido, olhinho pintado, projetinho de punk, vão se foder", hein?. E qualquer semelhança com os jovens emo de hoje é mera coincidência. Mas eles não têm culpa, isso é coisa de criação, culpa dos pais.

Família: deixa clara a afirmação acima. E cá entre nós, quem nunca passou pelas situações descritas nessa música?
Homem Primata: Assim regredimos no tempo e nos encontramos em Homem Primata. Os neurônios já não sabem mais para onde correr. Flashes de ontem e hoje efervescem e borbulham na mente fervilhante e voltamos à realidade. Durante a gravação da canção, Tony Bellotto usou um grande anel para fazer o slide em sua guitarra. Aliás, uma curiosidade acerca dessa faixa: originalmente, ela tinha sido composta para o Lulu Santos...

Dívidas: Só assim para lembrar que a vida continua. Dívidas nos coloca novamente no lugar nos fazendo lembrar a evolução do homem primata ao homem capitalista tentando pagar as contas.
O Quê: O disco encerra com uma das canções mais espetaculares entre as executadas nos shows da banda. O mais engraçado é que 'O Quê' é a pergunta que se faz na maioria das faixas do disco. Os neurônios voltam ao mesmo transe enigmático do início do disco.

"A última música a ser gravada foi 'O Quê', e foi também a que mais deu trabalho. O arranjo mudou totalmente no estúdio e o Liminha, aqui, teve participação decisiva: programou a bateria eletrônica, sugeriu a linha de baixo, tocou guitarra e deixou a gente fazendo uma jam interminável durante dois dias até chegar ao resultado final. Aquilo abriu um novo horizonte para nós e nos colocou em contato com elementos que iríamos explorar bastante nos anos seguintes", disse Sérgio Brito à Folha de S.Paulo.

A primeira impressão sobre o disco é que se trata de um álbum de música punk, pela temática. Mas em Cabeça Dinossauro os Titãs foram além. A começar pela embalagem do disco: uma capa dupla para uma bolacha apenas, com ilustrações de capa e contracapa de Leonardo Da Vinci e no encarte uma bela seqüência de fotos p&b dos integrantes da banda.

Cabeça Dinossauro é um álbum importante dos anos 1980, que deu uma chacoalhada no cenário brasileiro do Pop/Rock e fez muita coisa ser vista de uma outra forma, elevando o nível do nosso Rock Brazuca...E entraram para a história ao mesmo tempo. Até hoje, o álbum é citado pelos jovens artistas brasileiros como obra de referência. E em 1997, a revista Bizz elegeu "Cabeça Dinossauro" como o melhor álbum de pop-rock nacional.

Um álbum pra se guardar com carinho e mostrar pros filhos, dessa banda chamada Titãs, verdadeiros titãs do nosso, atualmente empobrecido, Rock Nacional. Será que é isso o que eu necessito? Será que já é o bastante?

 

Marcello Blum